sábado, 21 de novembro de 2015

O eterno sucesso das aventuras do samurai Musashi


A Estação Liberdade ganhou um presente antecipado de Natal - no início do mês, a editora festejou a marca histórica de 100 mil exemplares vendidos de "Musashi", clássico romance japonês cujo tamanho em forma de tijolo (são quase 2 mil páginas divididas em dois volumes) era um desafio comercial para qualquer casa editorial. "Especialmente a nossa, que não figura entre as grandes", observa o diretor editorial Angel Bojadsen, um dos responsáveis por aceitar, em 1997, uma aposta tão arriscada.
Para comemorar os dez anos da edição de "Musashi" no Brasil (os livros foram publicados em 1998), além de lembrar o centenário da imigração japonesa, a Estação Liberdade lança oficialmente amanhã (18) uma caixa com nova edição, agora em três volumes acompanhados de um suplemento com gravuras. O evento ocorre a partir das 19 horas na Livraria Cultura do shopping Market Place, onde também o Instituto Niten promove a demonstração de katas (combinações de movimentos de ataque e defesa) narrados no livro, além de palestras sobre a vida de "Musashi".
Bojadsen, que também festeja uma marca pessoal (15 anos como um dos comandantes da editora), ainda é um mistério o motivo exato que explique tamanho sucesso. "Acredito que é a combinação de quatro fatores", comenta. "O interesse do público de origem japonesa (afinal, o livro é considerado um dos maiores sucessos do Japão, com mais de 120 milhões de exemplares vendidos ao longo dos anos), a boa quantidade de cenas com artes marciais, sua filosofia de vencedor (o que o tornou essencial em cursos empresariais sobre liderança) e a leitura saborosa, que permite classificar o texto como um ‘Balzac oriental’."
Escrito por Eiji Yoshikawa (1892-1962), o livro narra a real trajetória do samurai Miyamoto Musashi, que viveu na era dos xoguns, presumidamente entre 1584 e 1645. Figura contraditória, ele sofreu profundas alterações na vida - de garoto selvagem e sanguinário tornou-se um guerreiro equilibrado, cujo espírito evoluído o transformou no mais sábio dos samurais. A obra foi publicada em capítulos no jornal "Asahi Shinbum", entre 1935 e 1939 em um total de 1.013 episódios.
Fascinado pela evolução espiritual do personagem, o público logo o adotou como seu livro favorito, transformado em uma espécie de guia da arte de viver. Em pouco tempo, diversas gerações de japoneses acostumaram-se com os personagens, que passaram a integrar sua rotina. Por conta disso, o livro alcançou tiragens monumentais na história editorial japonesa, além de inspirar adaptações para os quadrinhos e cerca de 15 versões cinematográficas ou televisivas. Um sucesso que tornou Yoshikawa nacionalmente famoso.
A obra é dividida em sete livros: "A Terra", "A Água", "O Fogo", "O Vento", "O Céu", "As Duas Forças" e "A Harmonia Final". Os cinco primeiros fazem referência ao gorin, elementos básicos que compõem, segundo o budismo, qualquer matéria. São também os ciclos enfrentados pelo espírito humano para alcançar a perfeição, começando pela terra impura até atingir o estágio mais alto (o céu), ou, ainda de acordo com a concepção budista, a paz do nada - o nirvana, enfim. Ao longo dessa extensa obra, Yoshikawa conseguiu construir uma bela metáfora das rígidas etapas pelas quais um guerreiro é obrigado a se submeter para alcançar a perfeição técnica que lhe permite lutar com uma espada em cada mão.
"É graças a tal variedade de opções que a obra atraiu um público tão distinto", conta Bojadsen, recordando-se de como a proposta de editar Musashi chegou às suas mãos. Em 1997, a tradutora Leiko Gotoda, sobrinha de outro grande nome da literatura japonesa (Jun’ichiro Tanizaki), apresentou aos editores uma parte do que já havia vertido para o português. "Era um projeto antigo dela, que pretendia apresentar a cultura japonesa aos filhos, então adolescentes que não falavam a língua original da família", conta Bojadsen. "A opção por Musashi foi por ser uma bela história de aventuras."
A qualidade da tradução de Leiko, fato raro entre as diversas versões de Musashi pelo mundo, colocou os editores da Estação Liberdade em um dilema: não seria possível publicar apenas uma parte da obra, mas, por outro lado, assumir um projeto que beirava 2 mil páginas era um risco para uma editora com apenas cinco anos de vida.
"O que nos convenceu foi a existência garantida de um público-alvo, ou seja, a grande quantidade de descendentes de japoneses que vivem principalmente em São Paulo e que também não tinham contato com a obra", relembra Bojadsen. "Era também a possibilidade de se preencher uma lacuna, pois havia uma demanda reprimida no mercado editorial brasileiro da literatura japonesa".
De fato, o sucesso de Musashi permitiu que outros autores ganhassem tradução em português, desde os mais tradicionais como Tanizaki até os mais modernos, como Haruki Murakami. A inimaginável vendagem de Musashi no Brasil, aliás, repercutiu até no Japão: uma das principais emissoras de televisão, a NHK, destacou uma equipe para acompanhar o interesse pela obra. "Fizemos algumas representações engraçadas para as câmeras, como simular a correria na editora para a entrega dos livros", diverte-se Bojadsen. "A cena mais divertida, aliás, era um retrato fiel da realidade: na época, éramos obrigados a entregar pessoalmente os exemplares nas livrarias e eles nos filmaram empurrando carrinhos recheados de Musashi."
Outro motivo de espanto para os japoneses era o fato de a edição brasileira ser a primeira no Ocidente a trazer o texto integral - a versão americana, por exemplo, privilegia as cenas de lutas e não traz os momentos mais contemplativos, eliminando todos os trechos de filosofia zen-budista. "Justamente o que mais atrai os participantes de cursos de liderança", comenta Bojadsen. O fôlego da obra, aliás, parece interminável: a primeira edição da caixa que será lançada hoje, de 3 mil exemplares, já se esgotou e a editora prepara uma nova remessa.

SERVIÇO - "Musashi" - Edição Comemorativa - 3 Volumes. De Eiji Yoshikawa. Estação Liberdade. 1.800 págs. R$ 218.
Da Agência Estado
Foto: Divulgação

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