
A
Estação Liberdade ganhou um presente antecipado de Natal - no início do
mês, a editora festejou a marca histórica de 100 mil exemplares
vendidos de "Musashi", clássico romance japonês cujo tamanho em forma de
tijolo (são quase 2 mil páginas divididas em dois volumes) era um
desafio comercial para qualquer casa editorial. "Especialmente a nossa,
que não figura entre as grandes", observa o diretor editorial Angel
Bojadsen, um dos responsáveis por aceitar, em 1997, uma aposta tão
arriscada.
Para
comemorar os dez anos da edição de "Musashi" no Brasil (os livros foram
publicados em 1998), além de lembrar o centenário da imigração
japonesa, a Estação Liberdade lança oficialmente amanhã (18) uma caixa
com nova edição, agora em três volumes acompanhados de um suplemento com
gravuras. O evento ocorre a partir das 19 horas na Livraria Cultura do
shopping Market Place, onde também o Instituto Niten promove a
demonstração de katas (combinações de movimentos de ataque e defesa)
narrados no livro, além de palestras sobre a vida de "Musashi".
Bojadsen,
que também festeja uma marca pessoal (15 anos como um dos comandantes
da editora), ainda é um mistério o motivo exato que explique tamanho
sucesso. "Acredito que é a combinação de quatro fatores", comenta. "O
interesse do público de origem japonesa (afinal, o livro é considerado
um dos maiores sucessos do Japão, com mais de 120 milhões de exemplares
vendidos ao longo dos anos), a boa quantidade de cenas com artes
marciais, sua filosofia de vencedor (o que o tornou essencial em cursos
empresariais sobre liderança) e a leitura saborosa, que permite
classificar o texto como um ‘Balzac oriental’."
Escrito
por Eiji Yoshikawa (1892-1962), o livro narra a real trajetória do
samurai Miyamoto Musashi, que viveu na era dos xoguns, presumidamente
entre 1584 e 1645. Figura contraditória, ele sofreu profundas alterações
na vida - de garoto selvagem e sanguinário tornou-se um guerreiro
equilibrado, cujo espírito evoluído o transformou no mais sábio dos
samurais. A obra foi publicada em capítulos no jornal "Asahi Shinbum",
entre 1935 e 1939 em um total de 1.013 episódios.
Fascinado
pela evolução espiritual do personagem, o público logo o adotou como
seu livro favorito, transformado em uma espécie de guia da arte de
viver. Em pouco tempo, diversas gerações de japoneses acostumaram-se com
os personagens, que passaram a integrar sua rotina. Por conta disso, o
livro alcançou tiragens monumentais na história editorial japonesa, além
de inspirar adaptações para os quadrinhos e cerca de 15 versões
cinematográficas ou televisivas. Um sucesso que tornou Yoshikawa
nacionalmente famoso.
A
obra é dividida em sete livros: "A Terra", "A Água", "O Fogo", "O
Vento", "O Céu", "As Duas Forças" e "A Harmonia Final". Os cinco
primeiros fazem referência ao gorin, elementos básicos que compõem,
segundo o budismo, qualquer matéria. São também os ciclos enfrentados
pelo espírito humano para alcançar a perfeição, começando pela terra
impura até atingir o estágio mais alto (o céu), ou, ainda de acordo com a
concepção budista, a paz do nada - o nirvana, enfim. Ao longo dessa
extensa obra, Yoshikawa conseguiu construir uma bela metáfora das
rígidas etapas pelas quais um guerreiro é obrigado a se submeter para
alcançar a perfeição técnica que lhe permite lutar com uma espada em
cada mão.
"É
graças a tal variedade de opções que a obra atraiu um público tão
distinto", conta Bojadsen, recordando-se de como a proposta de editar
Musashi chegou às suas mãos. Em 1997, a tradutora Leiko Gotoda, sobrinha
de outro grande nome da literatura japonesa (Jun’ichiro Tanizaki),
apresentou aos editores uma parte do que já havia vertido para o
português. "Era um projeto antigo dela, que pretendia apresentar a
cultura japonesa aos filhos, então adolescentes que não falavam a língua
original da família", conta Bojadsen. "A opção por Musashi foi por ser
uma bela história de aventuras."
A
qualidade da tradução de Leiko, fato raro entre as diversas versões de
Musashi pelo mundo, colocou os editores da Estação Liberdade em um
dilema: não seria possível publicar apenas uma parte da obra, mas, por
outro lado, assumir um projeto que beirava 2 mil páginas era um risco
para uma editora com apenas cinco anos de vida.
"O
que nos convenceu foi a existência garantida de um público-alvo, ou
seja, a grande quantidade de descendentes de japoneses que vivem
principalmente em São Paulo e que também não tinham contato com a obra",
relembra Bojadsen. "Era também a possibilidade de se preencher uma
lacuna, pois havia uma demanda reprimida no mercado editorial brasileiro
da literatura japonesa".
De
fato, o sucesso de Musashi permitiu que outros autores ganhassem
tradução em português, desde os mais tradicionais como Tanizaki até os
mais modernos, como Haruki Murakami. A inimaginável vendagem de Musashi
no Brasil, aliás, repercutiu até no Japão: uma das principais emissoras
de televisão, a NHK, destacou uma equipe para acompanhar o interesse
pela obra. "Fizemos algumas representações engraçadas para as câmeras,
como simular a correria na editora para a entrega dos livros",
diverte-se Bojadsen. "A cena mais divertida, aliás, era um retrato fiel
da realidade: na época, éramos obrigados a entregar pessoalmente os
exemplares nas livrarias e eles nos filmaram empurrando carrinhos
recheados de Musashi."
Outro
motivo de espanto para os japoneses era o fato de a edição brasileira
ser a primeira no Ocidente a trazer o texto integral - a versão
americana, por exemplo, privilegia as cenas de lutas e não traz os
momentos mais contemplativos, eliminando todos os trechos de filosofia
zen-budista. "Justamente o que mais atrai os participantes de cursos de
liderança", comenta Bojadsen. O fôlego da obra, aliás, parece
interminável: a primeira edição da caixa que será lançada hoje, de 3 mil
exemplares, já se esgotou e a editora prepara uma nova remessa.
SERVIÇO - "Musashi" - Edição Comemorativa - 3 Volumes. De Eiji Yoshikawa. Estação Liberdade. 1.800 págs. R$ 218.
Da Agência Estado
Foto: Divulgação
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